sexta-feira, 19 de junho de 2009

80's



Quando eu me formei em Psicologia, em 1982, fui me direcionando para a Clínica, seguindo um roteiro mais ou menos básico de recém formada; horário sublocado em consultorio, era paciente de psicanálise, fazia grupo de estudo - tudo sob a regência de herr doctor Freud. Eu simpatizava muito com os colegas que foram se encaminhando pro lado de outras práticas, principalmente das terapias corporais, mas achava que era meio oba-oba, sei lá... eu achava que o pessoal era meio hippie e eu queria 'fazer psicanálise' na Saúde Mental. O que eu estava querendo, mesmo, era pertencer ao clubinho dos conhecedores da alma humana.
No finalzinho do tratamento de quimioterapia, já exausta fisicamente, eu só pensava em como seria retomar minha vida dali pra frente - refazer a clientela, reencontrar pessoas, "cair dentro", como se diz. Eu tive medo. Me sentia vulnerável, frágil; eu tinha sido atingida. Me dei umas semanas de descanso, sem decidir nada, até que fiz o primeiro exame de controle pós-quimio. Tudo ok. Foi dando uma coragem, aos poucos, e fui em frente. E então, começou a angustia de não saber se ia dar conta do recado, corresponder a confiança de colegas, transitar pela cidade, estar fora de casa quando caía a noite. O sentimento de vulnerabilidade apareceu através do corpo, com taquicardia e vontade de fugir.
Uma coisa que eu descobri com o câncer, é que eu sou do tipo que procura logo a solução. Fiz umas tentativas com terapia verbal, mas não me acertei com ninguém; voltei a praticar capoeira pra me sentir mais forte e me matriculei num curso como atualização profissional.
É interessante como a solução às vezes está tão perto de nós.
Na vila onde é meu consultório conheci uma pessoa que faz preparação de atores. Conversa vai conversa vem, um dia depois do outro, eu falei com ela da dificuldade de estar em público, quase um constrangimento; não era como timidez ou fobia, eu estava me sentindo muito à flor da pele para me expor. Talvez se eu treinasse umas técnicas teatrais... Ela franziu o cenho e disse, parecendo displicente, "- venha experimentar o grupo".
Fui e estou até agora, fazem três meses. O grupo não tem nada, e ao mesmo tempo tem tudo, a ver com técnicas de interpretação. O trabalho é de conscientização corporal, que vai sendo adquirida através de movimentos, propostos por ela, ao mesmo tempo em que lidamos com limites e possibilidades individuais. Onde dói? onde está encolhido? usa o olho! solta a boca! faz devagar, não força, vai... Aprendi sobre expressão facial, sobre os gestos e a postura corporal. A pessoa vai tomando consciencia de como anda, como pisa, onde estão os ombros, o queixo... e também vai tomando consciência de si, do que está expressando e do que quer pra si. Eu me desconstruí para eliminar um tumor, e tem sido bem apropriado que eu esteja reconstruindo, na prática, esse corpo.
Dia desses, explicando um movimento, ela disse "- (...) por isso a Théresè escreveu "O Corpo tem suas Razões"... e eu entendi porque estava ali (lembra que esse foi o livro que me caiu nas mãos, falando sobre as emoções e o corpo?).
Eu sempre simpatizei com o pessoal das terapias corporais e foi legal dar uma passada lá nos 80's.

Está bom recomeçar, tô me sentindo bem mais forte...

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