quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Câncer me Fez Bem - Réveillon.


Hoje é o último dia do ano e eu ainda não retribuí os votos de feliz Natal e boas festas que recebi.
Desde que eu me rebelei contra o determinismo que o câncer carrega, me tornei crítica dos modos e costumes sociais, refletindo sobre como determinadas convenções (tratos/códigos) se tornam paradigmas. Eu me pergunto: e se ficasse combinado que o câncer é uma doença grave porém tratável? quantas pessoas teriam sobrevivido, se pensassem que a cura é possível?
Aí eu não consigo responder os votos de boas festas porque não quero me comportar como manada; não quero fazer parte da comercialização do Natal e nem quero a repetição mecânica de mensagens otimistas, entre pessoas que mal se olham o resto do ano.
Por outro lado, tantas pessoas queridas compartilharam comigo o cotidiano - queria mandar uma mensagem, uma palavra, que representasse meus sinceros sentimentos nessa época do ano que traz, quase impõe, simbolismo de confraternização e renovação.
Fiat Lux!
Minha amiga antiga, do tempo da USU, me mandou as lindas palavras que transcrevo abaixo. Muito obrigada Suzana! Você me salvou...

O TEMPO EM FATIAS
" Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente. Para você, desejo o sonho realizado. O amor esperado. A esperança renovada. Para você, desejo todas as cores desta vida. Todas as alegrias que puder sorrir, todas as músicas que puder emocionar. Para você neste novo ano, desejo que os amigos sejam mais cúmplices, que sua família esteja mais unida, que sua vida seja mais bem vivida. Gostaria de lhe desejar tantas coisas. Mas nada seria suficiente para repassar o que realmente desejo a você. Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos. Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto, rumo à sua felicidade! " *Carlos Drumonnd de Andrade*
Feliz 2010!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Cancer me Fez Bem 2009


Não tem jeito. Essa época do ano sempre empurra a gente pra fazer balanço; das contas, das dividas e lucros, e da vida. Então v'ambora!
Mês que vem, janeiro, completam-se 5 anos que eu fui diagnosticada com câncer de plumão. E isso é uma marca.
Antes eu pensava que devia considerar o tempo a partir do fim do tratamento, quando comecei a fazer o controle, mas não. Desde o diagnóstico, se a doença não evoluiu, e no meu caso ela regrediu até sumir, o cronômetro foi disparado. 5 anos sem câncer - u hu! E porque o cancer me fez bem?
Porque eu tive a oportunidade de ter um encontro comigo mesma, e porque eu pude pensar sobre que tipo de vida eu quero ter. Eu me desfiz de um monte de tralha velha e inutil, e de algumas tristes recordações. Eu abri as janelas, tirei o pó e deixei o sol entrar. Não há remedio melhor pra câncer de pulmão, do que ar fresco.
E se eu precisei abrir mão de umas coisas, também resgatei outras que tinham estado esquecidas pelos cantos, e reorganizei meu acervo - as leituras, as praticas, as estórias da vida alheia e da minha também.
Tudo que eu acumulei de experiência pela vida afora, eu pus pra funcionar em busca da cura, e renovei minha escolha pela vida. Escolha pela vida - esse é o segredo.
O câncer foi um marco em todos os sentidos, e muita coisa aconteceu desde então. Eu adquiri a noção do perigo, sinto medo, mas me tornei mais destemida e sei o que é força; sei que tenho pessoas com quem contar, mas meu caminho é feito conforme é percorrido por mim; sofrer me ensinou sobre o outro; e os outros têm ensinado sobre mim .
(continua...).






quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Alquimia


O exame ficou pronto e está tudo ok.
Eu estou muito orgulhosa de mim mesma porque tenho a sensação de que estou fazendo as coisas do jeito certo.
Quando ouvi o diagnóstico de câncer no pulmão, na mesma hora me lembrei sobre a relação que a medicina chinesa faz entre partes do corpo e sentimentos. Não que eu conheça o assunto a fundo, mas sei que pulmão tem a ver com tristeza e melancolia, fígado tem a ver com raiva etc.
É uma tarefa bem complicada manter a alegria e o bom humor, principalmente pra gente que não tem vocação pra ser hiena. Parênteses: a hiena, coitada, entrou na história por causa daquela piada, onde no final o sujeito pergunta "- e ela ri de quê?". Pois é, mas eu vou levando.
Aprendi que sentir tristeza não é exatamente o problema; sou humana, me decepciono. Problema é deixar isso se alojar, fixar residência, já querendo virar latifundiário desse corpinho que não o pertence.
É uma questão de dose, a diferença entre veneno e remédio, e alquimia é uma arte.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Tum Tum - Bate Coração!


Quanto tempo!
Ontem fiz o raio-x do pulmão pra controle pós quimio. Eu já contei aqui que, como tudo vai indo bem comigo, eu posso alternar raio-x e tomografia. O médico que acompanha o exame na hora, tipo um plantonista, geralmente não gosta de dizer nada sobre a imagem antes do laudo definitivo. Eu entendo mas, tenho direitos como paciente e, peço com jeitinho, pra me adiantar se tem alguma alteração em relação ao exame anterior.
Ontem o médico que estava lá disse que está tudo igual. Ufa! Dá um alívio danado, baixa bastante a ansiedade, mas eu só acredito mesmo quando pego o resultado 'oficial'.
Alguém pode perguntar porquê eu peço pra saber antes... são contradições humanas, ou minhas, sei lá. Acho que tenho um estilo São Tomé. O laudo e a imagem ficam prontos na próxima terça-feira, quando vou comemorar.
Sempre comemoramos aqui em casa, e com comida japonesa que eu adoro. Durante o tratamento não podia comer coisas cruas, para evitar qualquer contratempo tipo intoxicação alimentar.
Comida japonesa então virou símbolo de liberação, de comemoração.
É assim que tem sido.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Solve et Coagula


Separe e Una.
Isso me faz lembrar a infância, quando passava férias com meus avós maternos no interior do Paraná. A vovó Laila era daquelas 'alimentadoras' de pessoas, reunindo filhos, genros e noras, netos e agregados em torno da mesa. A cozinha da casa dela era bem ampla, com um imponente fogão a lenha que tinha uma grande chapa e adornos cromados. Eu gostava de ficar por ali vendo a movimentação dela com a empregada, ouvindo as conversas, e beliscando umas aparas de carne que ela sempre tinha sobre a chapa quente. Eu catava o feijão ou o arroz - pra quem não sabe, catar é separar o grão cru bom de outros meio estragadinhos, durinhos tipo pedra - e depois ficava fazendo formas com os grãos bons reunidos, figura/fundo com a toalha da mesa.
Separe e una.
O momento é de balanço; o mês de julho é significativo pra mim porque é quando se completa 12 meses no tempo pós quimio - dessa vez vou comemorar 4 anos sem sinal do câncer. Ainda não fiz o raio-x mas o prognóstico é bom e, daqui pra frente, vai diminuindo cada vez mais a probabilidade de recidiva. Como ninguém é perfeito, vivo a expectativa, que só se dissipa depois que faço o exame e o laudo me alforria...até a próxima vez. Alcancei o intervalo de 6 meses entre as consultas de controle - já foram a cada 2 meses - e, dizem, pode-se chegar a até 1 ano de intervalo.
É importante deixar o tempo agir e aprender que a graça está em fazer o caminho, e não em chegar ao destino; é importante não cair na armadilha de querer controlar a vida, cuja principal propriedade é a fluidez.
Solve et coagula.
Eu me sinto bem.


terça-feira, 30 de junho de 2009

The King

E eu continuei nos 80's, como homenagem silenciosa e particular ao King of Pop.
Sou fã do Michael Jackson desde que ele tinha 5 anos, e eu um ano a mais. Fiz essa viagem no tempo, pra época das festinhas, quando treinava os passos dele. Na hora H não saía nada, mas era divertido demais. E o som? e o 'soul'? Fiquei muito tempo vendo clipes e ouvindo as músicas e curtindo.
Além das doces recordações da juventude, porém, fui 'tocada' pelo mosaico de imagens que representavam a (quase) incrível transformação física, me fazendo perguntar que imagem ele perseguia? e, quem eu penso que sou? quais são as minhas transformações?
Como se já não tivesse perguntas o suficiente, também quis saber se ia continuar a escrever o blog, porque não quero manter minha identidade vinculada ao câncer. E eu senti compaixão pelo Michael, pelo desassossego que ele deve ter vivido, confundindo imagem com identidade.
Durante essa crise fiz dois rascunhos que não publiquei, mas eu gosto de escrever.

Olha o swing de 'Don't Stop 'Til You Get Enough '

Aqui, a estrela do showbizz

sexta-feira, 19 de junho de 2009

80's



Quando eu me formei em Psicologia, em 1982, fui me direcionando para a Clínica, seguindo um roteiro mais ou menos básico de recém formada; horário sublocado em consultorio, era paciente de psicanálise, fazia grupo de estudo - tudo sob a regência de herr doctor Freud. Eu simpatizava muito com os colegas que foram se encaminhando pro lado de outras práticas, principalmente das terapias corporais, mas achava que era meio oba-oba, sei lá... eu achava que o pessoal era meio hippie e eu queria 'fazer psicanálise' na Saúde Mental. O que eu estava querendo, mesmo, era pertencer ao clubinho dos conhecedores da alma humana.
No finalzinho do tratamento de quimioterapia, já exausta fisicamente, eu só pensava em como seria retomar minha vida dali pra frente - refazer a clientela, reencontrar pessoas, "cair dentro", como se diz. Eu tive medo. Me sentia vulnerável, frágil; eu tinha sido atingida. Me dei umas semanas de descanso, sem decidir nada, até que fiz o primeiro exame de controle pós-quimio. Tudo ok. Foi dando uma coragem, aos poucos, e fui em frente. E então, começou a angustia de não saber se ia dar conta do recado, corresponder a confiança de colegas, transitar pela cidade, estar fora de casa quando caía a noite. O sentimento de vulnerabilidade apareceu através do corpo, com taquicardia e vontade de fugir.
Uma coisa que eu descobri com o câncer, é que eu sou do tipo que procura logo a solução. Fiz umas tentativas com terapia verbal, mas não me acertei com ninguém; voltei a praticar capoeira pra me sentir mais forte e me matriculei num curso como atualização profissional.
É interessante como a solução às vezes está tão perto de nós.
Na vila onde é meu consultório conheci uma pessoa que faz preparação de atores. Conversa vai conversa vem, um dia depois do outro, eu falei com ela da dificuldade de estar em público, quase um constrangimento; não era como timidez ou fobia, eu estava me sentindo muito à flor da pele para me expor. Talvez se eu treinasse umas técnicas teatrais... Ela franziu o cenho e disse, parecendo displicente, "- venha experimentar o grupo".
Fui e estou até agora, fazem três meses. O grupo não tem nada, e ao mesmo tempo tem tudo, a ver com técnicas de interpretação. O trabalho é de conscientização corporal, que vai sendo adquirida através de movimentos, propostos por ela, ao mesmo tempo em que lidamos com limites e possibilidades individuais. Onde dói? onde está encolhido? usa o olho! solta a boca! faz devagar, não força, vai... Aprendi sobre expressão facial, sobre os gestos e a postura corporal. A pessoa vai tomando consciencia de como anda, como pisa, onde estão os ombros, o queixo... e também vai tomando consciência de si, do que está expressando e do que quer pra si. Eu me desconstruí para eliminar um tumor, e tem sido bem apropriado que eu esteja reconstruindo, na prática, esse corpo.
Dia desses, explicando um movimento, ela disse "- (...) por isso a Théresè escreveu "O Corpo tem suas Razões"... e eu entendi porque estava ali (lembra que esse foi o livro que me caiu nas mãos, falando sobre as emoções e o corpo?).
Eu sempre simpatizei com o pessoal das terapias corporais e foi legal dar uma passada lá nos 80's.

Está bom recomeçar, tô me sentindo bem mais forte...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Corpo tem suas Razões


No final dos anos 70, passando pros 80, eu era estudante de psicologia, trabalhava com crianças e adolescentes autistas e psicoticos, e tinha começado minha terapia pessoal - condição sine qua non para quem quer trabalhar com loucura(s). Me caiu nas mãos o livro "O Corpo tem suas Razões", onde a autora, Thérèse Bertherat, escreve sobre como o corpo registra as emoções. Cito um trecho: "Nosso corpo somos nós. Somos o que parecemos ser. Nosso modo de parecer é nosso modo de ser. (...) Nosso corpo somos nós. É nossa única realidade perceptível. Não se opõe à nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por isso tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro... pois corpo e espírito, psíquico e físico, e até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade."Eu fiquei bem impressionada com o texto, um contraponto para a dominante psicanalise da qual eu era aprendiz. Foi bom eu ter agregado essa compreensão ao meu repertório e ter mantido essa dimensão do não verbal me acompanhando a vida.
Foi a partir disto que eu busquei o significado de estar com câncer, o tal recado que eu mencionei no post anterior. Foi um trabalho solitário; não são muitas as pessoas que concordam que um sentimento pode provocar o adoecimento do corpo, e, além disso, a maioria prefere achar que não fez nada contra si mesmo...
Por causa dessa ideia, de que 'o corpo de um ser e sua vida são uma mesma coisa', minha principal preocupação tem sido ter a melhor vida possível, cultivando qualidade nas relações e nos afazeres cotidianos. Quero fazer uma vida cada vez melhor porque tenho certeza que assim vou preservar minha saúde.

Da proxima vez, vou escrever sobre como eu conheci uma profissional que trabalha por esta vertente, e sobre como eu tenho feito disto a minha terapia.
PS - O livro "A Cura Quântica", do Deepak Chopra, também toca nesse assunto - o que nossos sentimentos fazem com o corpo. A ilustração aí ao lado é um slide que corre na web, com texto dele, e chama-se Mutantes. Tem no Google.

Alguém como recheio


Ninguém fica sabendo que está com câncer de uma hora pra outra. Há o processo de diagnóstico, com vários exames que vão evoluindo em complexidade e busca da exatidão; de forma que eu, mais ou menos, fui me preparando para o desfecho.
Eu sabia que meu corpo estava me mandando um sinal de alerta, e sabia que não era a respeito do corpo físico propriamente dito, embora fosse através dele que o recado tinha chegado.
Eu não acredito que corpo/mente/espírito são separados; ao contrário, acredito que funcionam como um todo integrado e interdependente. Alguém consegue imaginar uma mente vagando por aí, errante, sem um corpo que a contenha ou que esteja contido nela? E olha que eu nem quero falar de religião ou crenças, só filosofar... Por exemplo: eu tenho tantas interrogações sobre o que aconteceu comigo que às vezes a cabeça parece que fica pequena pra tanto pensamento; ou, no peito tenho a sensação de roupa apertada, parecendo que eu ‘tô presa dentro de mim mesma.
Mente, corpo, eu - dá pra ser separado? onde começa um e acaba o outro?
Tive certeza que para o tratamento com quimioterapia ter mais chances de sucesso eu ia precisar cuidar da mente e do espírito também e, logo compreendi, isso me levaria a uma longa jornada, Virginia adentro.
Minha hipótese foi: considerando que a matéria é concentração de energia, e, considerando que a matéria era o tumor, se eu conseguisse diluir “A Energia”, a matéria deixaria de existir. Atenção a um pequeno, porém importante detalhe – tumor, energia e eu, é a mesma coisa. E a pergunta que não calava era, por que eu me consumia? Não esperei pela resposta. Dia após dia, criteriosamente, usei a meditação pra acessar os escaninhos emocionais e fui desapegando de tudo que eu considerei destrutivo. Desapontamento, mágoa, pirraça, dogma, um monte de lixo. Deu certo.
O Arnaldo Antunes (da banda Titãs) fez um livro de poemas, e um deles diz assim:
"O corpo existe e pode ser pego. É suficientemente opaco para que se possa vê-lo. Se ficar olhando anos voce pode ver crescer o cabelo. O corpo existe porque foi feito. Por isso tem um buraco no meio. O corpo existe, dado que exala cheiro. E em cada extremidade existe um dedo. O corpo se cortado espirra um líquido vermelho. O corpo tem alguém como recheio."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Vlw N1


Eu fiquei um tempão sem escrever nada. Queria fazer umas mudanças na configuração e acabei perdendo o acesso ao blog... Felizmente existe o 'forum de ajuda' do Blogger, onde eu consegui ajuda e pude recuperar o acesso. Vlw N1!
Quando eu tinha uns 11/12 anos li um livro da época, 'pra meninas', que se chamava Pollyana. Não sei se eu lembro direito, mas acho que a personagem era órfã, estava indo morar com uma tia rabugenta, que ela nunca tinha visto antes etc. O que eu lembro com certeza, é que a menina fazia o "Jogo do Contente"; o tal jogo era uma atitude frente à vida, onde ela procurava sempre o lado bom dos acontecimentos. E todos em volta admiravam a menina e ela até conseguiu o amor da tal tia. Lindo, né?
Pois então, o lado bom foi perceber que o meu empenho pra recuperar o blog e a falta que eu senti de vir aqui, desabafar, são o reflexo de que está me fazendo muito bem poder escrever e, ao fazê-lo, refletir sobre meu cotidiano.
Meu trabalho me ensinou que a gente deve prestar atenção ao nosso fazer cotidiano, pessoal ou profissionalmente. Reflexão sobre a prática, esse é o nome. Mas isso já é outra conversa.

Enquanto isso siga o link.




quinta-feira, 28 de maio de 2009

Segredos e mentiras


Por causa de uma ida ao cabeleireiro eu me lembrei do dia em que eu comecei a perder os cabelos, por causa da quimio. O medico tinha dito que isso poderia ou não acontecer, porque as fórmulas não são todas iguais, e nem a reação de cada paciente. O tratamento estava bem no começo e eu ainda aguentava fazer minha caminhada habitual, bem cedinho, pela praia. Quando voltei, entrei no banho pra depois tomar o café. Lembro que eu estava satisfeita por conseguir manter a rotina de exercícios (me sentindo saudável!), ouvindo música no rádio, como tinha o costume de fazer a não sei quantos anos. Percebi que o box estava cheio, como uma piscininha; olhei o ralo e encontrei um bololô de cabelos entupindo o escoamento. Instintivamente coloquei as mãos na cabeça, como se eu pudesse evitar a queda; cheguei pro lado, fora do chuveiro e fiquei parada olhando o ralo... não sei quanto tempo se passou; sentei no chão do box e chorei embaixo d'água até cansar...
Eu não chorei por causa dos cabelos ou por causa da aparência. Eu chorei porque naquele momento eu tive o primeiro efeito adverso do tratamento e a constatação de que aquilo estava mesmo acontecendo. Não há nada mais representativo de alguém com cancer, do que a falta de cabelos.
E foi nesse mesmo dia que eu conversei com meu filho, na época com 6 anos. Mostrei o ralo cheio, falei que estava doente e que o remédio fazia o cabelo cair, que talvez eu ficasse totalmente careca. Falei que estava lhe contando porque tinha sido um susto tão grande pra mim, que queria que ele estivesse avisado; eu não sabia como ou quando ia ser (ficar careca) - talvez no próximo banho ou quando acordasse no dia seguinte.
A maioria das pessoas estranhou que eu falasse com ele tão abertamente; estava claro pra mim que o principal objetivo era não esconder ou mentir, mas também queria dar a ele a oportunidade de lidar com seus sentimentos e com a adversidade que a vida traz a todos nós. Eu não sabia se ia morrer ou sobreviver... como poderia olhar em seus olhos e não expressar nada? Como poderia subestimá-lo, achá-lo incapaz de participar dos acontecimentos? As informações eram filtradas, passadas de acordo com sua curiosidade e maturidade. Pedi a uma graaaande amiga, a melhor terapeuta infantil que eu conheço, que o acompanhasse profissionalmente. Sei que ela é parte importantíssima nesse processo com ele.
Hoje fico feliz e não me arrependo de ter agido assim. Aos 10 anos, ele tem noção da gravidade do cancer e, às vezes, ainda faz perguntas, mas o principal foi termos estabelecido, para sempre, um canal de comunicação franco - sem segredos e mentiras.
Estes fatos fizeram parte da construção da identidade dele, como alguém que pode compartilhar bons e maus momentos; que participou, a partir da sua possibilidade, da rede de sustenção de alguém.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Siga!


Este video fala por si só e representa muito bem a determinação necessária frente ao cancer e ao tratamento.
Meu sentimento está nele.

http://www.youtube.com/watch?v=xk-xI_nY2Co

terça-feira, 26 de maio de 2009

O outro lado da moeda



Um dia, me avisaram que os portadores de cancer tinham a 'vantagem' de isenção de impostos e outros 'benefícios'. Como assim 'vantagem'? É possível se obter 'benefício' por estar doente? É de dar arrepios. As tais vantagens são pequenas compensações financeiras que o cidadão portador de mal crônico, incapacitante, adquire frente a moléstia.
Eu implico com a maneira como as palavras são usadas porque acredito que a realidade é construída por nós, a partir do enfoque que é dado aos acontecimentos. Acreditar que o cancer traz beneficios pode ser bastante arriscado quando o objetivo é se livrar dele.
Isso me faz pensar na representação que o cancer (e estar doente) tem para cada paciente, e sobre como ele se comporta a partir disso. Recomendo com veemência ter ajuda de um terapeuta, alguém que esteja qualificado a ouvir os sentimentos tão intensos que inundam o peito. É importante poder falar sobre o medo, sobre a morte, sobre rejeição ou exclusão (às vezes se confundem) sobre os planos, sobre a vida que ainda tem pela frente, não importa quanto tempo dure. Falar sem pudor, poder refletir sobre sua condição, externar preocupações, ter suas apreensões acolhidas.
Os familiares não são as pessoas mais indicadas porque eles também estão com medo, não sabem como agir ou o que dizer; repetem discursos de otimismo e sobre a necessidade de ter fé; eles também precisam de ajuda. E não adianta falar em dinheiro, porque existem muitos serviços acessíveis, inclusive gratuitos, destinados a isso.
Infelizmente ainda existe a ideia de que o cancer é uma espécie de castigo divino, uma provação que deve ser amargada solitariamente.
É uma pena! As pessoas gostam de ajudar se souberem como e se puderem fazer isso de acordo com sua possibilidade. São tantas tarefas, divida com seus próximos. Fazer supermercado, ir ao banco, preparar uma refeição, varrer a casa. Peça o que precisa, pense sobre o que cada um pode oferecer de melhor, seja grato por haver tratamento, faça voce mesmo o melhor que puder.
Existem alegrias apesar do tratamento: estar entre queridos; ir no almoço de Dia das Mães e, mesmo recostada no sofá, participar das conversas e dar umas risadas em familia; crianças correndo pela casa.
Minha amiga da vida toda me levou pra passear e tomar um café; fizemos um inventario da vida - foram muitos banhos de cachoeira nas Paineiras.
O medico cuida dos remedios e da doença. Voce cuida de si e da saude. Faça sua escolha e se responsabilize por isso.

domingo, 24 de maio de 2009

Humanos, demasiado humanos.


Eu acabei ficando ocupada com o que escrevi no último post; sobre como as pessoas reagem, e interagem, quando ficam sabendo sobre alguém que está com cancer; sobre como o estigma da morte sentencia o portador. Não, eu não quero apontar o dedo pra ninguém quando escrevi sobre sair do próprio umbigo. Eu sei... somos humanos, demasiado humanos.
É que a gente vem construindo ao longo dos séculos um tipo de sociedade que fragiliza e desqualifica o sujeito, que está desconectado de si mesmo, suspenso por um fio que ele não sabe de onde vem. O Joel Birman (psicanalista, prof da UERJ) fala da 'cultura do espetáculo', onde precisamos sempre estar bonitos, alegres, produzindo e consumindo. Ninguém quer baixo astral; "- de problema, já chegam os meus", dizem por aí. Desconectado de si mesmo, desconectado do outro.
O estigma que o cancer carrega evoca a finitude do portador, mas, e aí está a questão, também a inexorável finitude de todos nós. Ninguém sabe como começa o cancer, o que faz com que qualquer um seja passível de ser acometido... duro, né? é muito melhor ficar à distância pra não ter que pensar nisso.
Desde o diagnostico eu decidi que não ia me esconder; nunca usei peruca ou fiz segredo. Em algumas situações omiti a noticia pra não ter que lidar com expressões (verbais e não verbais) de comiseração. Como eu já disse antes, já é muito ruim estar com a saúde abalada. Não foram poucas as vezes que eu 'dei força' pra alguém, afirmando que eu ia ficar boa, para consolar.
Então, meu depoimento é: se alguém próximo de vc estiver se tratando de um cancer, e se vc 'aguenta' se aproximar, não fale muito; procure a compaixão que está dentro de vc e abrace (cancer não é contagioso); ouça o que ele tem a dizer; não conte casos conhecidos, mesmo aqueles que deram certo - vai lembrar dos que não deram certo; reafirme seu apoio com atitudes; apareça para alguns minutos de compainha - o cansaço não permite longas conversas; leve uma qualquer coisa que a pessoa ache gostosa etc etc etc. O tratamento é longo, portanto, se vc realmente quer participar, prepare-se. Doses homeopáticas de carinho contribuem mais do que aparecer no domingo, ficar hoooras, e não voltar mais .
Apenas esteja junto... o resto o tratamento faz.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Só o amor constrói...


O enfrentamento do cancer é uma tarefa bem árdua e que não se limita ao tratamento prescrito, seja ele qual for. A partir do diagnóstico, o paciente, antes mesmo de iniciar o tratamento, já é obrigado a lidar com o estigma que estabelece que o mal é quase um sinônimo de morte. Mesmo eu, que me recusei a entrar nessa ideia, precisei lidar com o que as outras pessoas pensavam a respeito. E já conversei com outras pessoas conhecidas, inclusive pacientes meus, que tem a mesma vivencia. Esse recado chega das maneiras mais sutis. Tem gente que simplesmente some; tem gente que telefona pra alguém próximo de vc e diz que não vai visitá-lo porque não 'aguenta'; tem gente que vai pro outro extremo e se 'sacrifica' pelo paciente.
Por favor! será que dá pra sair do próprio umbigo e tentar perceber o outro e do que ele precisa?
O principal e comum efeito da quimioterapia é o extremo cansaço e a sensação de desfalecimento eminente, só que nos mantemos despertos, por que o tal cansaço (chamado astenia) não gera sono. Despertos mas incapazes de fazer qualquer coisa que dependa de atenção, como ler um livro ou assistir televisão; no máximo ouvir música. Essa sensação de desfalecimento tem efeito psicológico desgastante e desmotivador. Talvez seja por isso que alguns pacientes simplesmente desistem...
Adoecer, da forma como o cancer faz, remete o sujeito à fase em que era bebê, dependente e vulnerável. Se não há apoio e segurança, o sentimento é de desproteção e desesperança. Eu, por exemplo, sentia necessidade CORPORAL de ser colocada no colo, pra ser aninhada, protegida, cuidada.
Sou privilegiada por ter recebido isso, nos braços do meu marido, todas as noites, até hoje.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Feliz des Aniversário


Hoje estou completando 51 anos e isso é muuuito bom. Nunca tive problemas com idade ou com envelhecer, e sempre gostei de comemorar com festinha ou qualquer coisa que representasse esse dia todo meu. Isso não mudou, mas aprendi com o Chapeleiro Maluco e acrescentei comemorações de desaniversário também. Comemoro porque tenho saúde; porque posso andar, ver, sentir; porque estou acompanhando meu filho crescer; porque ainda faço planos; porque ainda me decepciono; porque ainda estou por aqui...

sábado, 11 de abril de 2009

Estou vendo macaquinhos.


Esse texto eu recebi por email, desses que circulam na web em power point.

COMO SE FORMA UM PARADIGMA (modelo, padrão, exemplo): Um grupo de cientistas colocou 5 macacos em uma gaiola e, no meio desta, uma escada com bananas em cima. Toda vez que um dos macacos começava a subir a escada, um dispositivo automático fazia jorrar água gelada sobre os demais macacos. Passado certo tempo, toda vez que qualquer dos macacos esboçava um início de subida na escada, os demais o espancavam (evitando assim a água gelada). Após certo tempo, nenhum dos macacos se arriscava a subir a escada, apesar da tentação. Os cientistas decidiram então substituir um dos macacos. A primeira coisa que o macaco novo fez foi tentar subir na escada. Imediatamente os demais começaram a espancá-lo. Após várias surras o novo membro da comunidade aprendeu a não subir na escada, embora sem saber porque. Um 2º macaco foi substituído e ocorreu com ele o mesmo. O 1º macaco que havia sido substituído participou, juntamente com os demais, do espancamento. Um a um, os macacos foram sendo substituídos, repetindo-se os espancamentos dos novatos, quando tentavam subir na escada. Ao final, sobrou um grupo de 5 macacos que, embora nunca tenham recebido um chuveiro frio, continuavam a espancar todo macaco que tentasse subir na escada. Se fosse possível conversar com os macacos e perguntar-lhes porque espancavam os que tentavam subir na escada, aposto que a resposta seria: "eu não sei - essa é a forma como as coisas são feitas por aqui..."

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Nas ondas verdes do mar


Dia Internacional de Combate ao Câncer: Eu não gosto dessa visão de combate porque passa a idéia de que o câncer é alguma coisa que vem de fora pra dentro, como se fosse algum tipo de invasor, um vírus ou bactéria e, por isso, precisa ser combatido. Câncer é processo e tem um início imperceptível a olhos humanos, mesmo com todo o avanço da tecnologia de captação de imagens. Quando o tumor se constitui como tal, como matéria, já está com algo em torno de 10 milhões de celulas cancerosas; é porque o sistema de defesa deu uma bobeada e não detectou...o processo. Este modo de funcionamento silencioso ajuda a doença a ser fatal, porque ela é descoberta já avançada. Acho que deveria ser Dia Internacional de Evitamento do Câncer ou Dia Internacional de Prevenção ao Câncer ou qualquer outro nome que não faça a coisa ser pior do que já é. Pelo menos se dissemina a idéia de que pode ser evitado.
Talvez pareça um detalhe essa história com o nome, mas não é. Sempre que damos um nome (nomeamos) pra alguma coisa ou alguém, junto acompanham significados simbólicos (ou códigos) que foram assimilados através da cultura, ou de valores familiares, p. ex.
Assim, quando digo 'flor', o cérebro vê a imagem a qual ele foi 'treinado' a relacionar, ou sente-se um perfume, ou lembramos de algum fato. Combate, pra mim, traz imagens de guerra, de dor, sangue, perda, destruição, morte. Já é muito ruim estar com a saúde abalada; já é muito ruim os efeitos que acompanham o tratamento. Não é preciso acrescentar mais nada, principalmente se forem idéias construídas culturalmente, e que em nada contribuem no processo de resgate da saúde.
A coragem para o tratamento pode ser evocada através de vários outros estímulos...como voltar a mergulhar no mar, "-...nas ondas verdes do mar", foi um ótimo estímulo pra mim.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Decifra-me.....



A gente nasce e cresce ouvindo as pessoas falarem sobre nossa maneira de ser ou de se comportar. A coisa toda funciona como via de mão dupla: um comentario pra um tipo de comportamento; um comportamento pra um tipo de comentario; no começo a criança e as pessoas mais próximas, e depois, conforme se vai crescendo, vamos ampliando com a chegada da escola, dos vizinhos, do bairro etc. É um jogo de vai e vem, constante e contínuo, até que a morte nos separe. E assim a gente vai construindo uma idéia a respeito de quem somos.
Eu saí do câncer diferente do que eu entrei, porque não me relaciono com as pessoas da mesma forma que antes; mudaram meus valores, minhas prioridades, minha disposição pro mundo. O que eu tenho recebido de volta, é o eco destas mudanças; existe uma diferença entre as pessoas que eu já conhecia, as que eu conheci por causa do câncer e as que eu conheci depois. Todos, sem excessão, tem contribuído pra reconstrução da minha identidade.
Com aqueles que já faziam parte de mim o desafio é a renovação; renovar vínculos significa querer continuar com eles, mesmo que de forma diferente do que era. Desse grupo fazem parte a familia, amigos antigos, o trabalho. Algumas pessoas eu conheci no contexto do tratamento, em situações diversas, e ainda não sei se vão ser mantidas, se vão se sustentar fora daquele contexto. Acontece, não é? tipo a gente viaja com um grupo, tudo é super legal, mas quando volta o afastamento acontece, a gente nem percebe...
Conhecer gente nova tem sido o mais divertido pra mim, porque posso 'ensaiar' várias interações diferentes e ir experimentando...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Espelho, espelho meu...



Eu gosto muito de ainda estar viva, mas é ruim conviver com algumas sequelas; nada grave, algumas são só chatas, e outras vão me levando.
A quimioterapia costuma interromper a menstruação e, no meu caso, precipitou a menopausa e intensificou a instabilidade hormonal natural do período; parei de fumar e fiz por minha conta uma superalimentação pra suportar o período de tratamento e o desgaste provocado pela toxidade da quimio. Ah! e ainda teve a cortisona que compunha a fórmula usada comigo. No final da jornada, estava com 12 quilos a mais, inchada e com o metabolismo completamente maluco. A pele do rosto ficou com umas manchas escuras, perdi o tônus muscular e a plasticidade da pele. Difícil de encarar...olhar no espelho e me perguntar "-cadê eu?".
Nossa imagem, a que vemos e a que é vista, compõe a nossa identidade, que vai sendo construída ao longo de toda a vida.
Além da imagem perdida, ou melhor, modificada, a visão de mundo também deixou de ser a mesma. Passei a vibrar em uma frequência diferente da de antes. "-Cadê eu?" aquela que eu conhecia, que eu sabia como pensava e sentia; aquela que já sabia do que se defender, e porque.
Ok, tá bom...eu obtive uma graça...tenho a chance de reconstruir, é vero, mas dá um trabalhão se reinventar...

sábado, 4 de abril de 2009

Vida que segue.


Ontem foi dia de consulta com o médico, quando levo os exames e a gente conversa sobre como está a minha vida e sobre como estou me sentindo. Não há sinal de câncer à vista.
Me senti passando de ano no colégio e me lembrei do meu pai querido, que valorizava o estudo e a aplicação, e de como eu me sentia feliz quando lhe apresentava o boletim com a boa notícia: aprovada. Bem, também era um alívio pra mim, porque eu não era uma aluna nota dez, fazia os deveres assistindo TV e estudava pra prova só na véspera.
Alegria e alívio, misturados.
Vida que segue....

sábado, 28 de março de 2009

Assim é se lhe parece


Uma outra versão desta frase é: se vc acredita, existe. E eu passei a acreditar que era possível reverter o processo de crescimento do tumor...quando ia pras sessões de quimio, usava uma técnica e, p.ex., visualizava o líquido da quimio como se ele fosse um rio percorrendo o meu corpo, fazendo uma 'faxina' que atingia cada célula; via os nódulos encolhendo e murchando, como uva passa, até que....puf! sumia. Lá pelo 3º ou 4º ciclo sismei que queria fazer um exame que me dissesse o que estava acontecendo; se o tratamento estava surtindo efeito. O médico concordou, meio contrariado, me alertando que nenhuma mudança seria um ótimo resultado; ou seja, se não piorou, tá bom. Eu tinha certeza que tinha acontecido uma redução, eu 'sentia' repuxar encolhendo, e o laudo da tomografia atestou: no nódulo que tinha 2,8 cm e que estava perto do hilo, houve redução quase completa e o outro, com 2,3 cm, reduziu para 1 cm. Quase que eu não cabia dentro de mim, de tanta alegria. Até hoje esta imagem aparece no exame, no mesmo lugar, com 1 centímetro, sugerindo que é algo como uma cicatriz. Concluí todo o tratamento, num total de 12 ciclos, acreditando que a fórmula injetada era para a cura.
Não quero que haja confusão com isto que eu contei. Não acredito na Lei da Atração nem em Pensamento Positivo e similares. Acredito em intenção, em processo e em perseverança. Por causa da intenção, recebi Johrei todos os dias, participei de sessões de cura à distância, procurei estar com aqueles que queriam que eu melhorasse (um dia vou escrever sobre o tema das pessoas ao redor); reforcei a alimentação, procurei me divertir, e preservei minha rotina como mãe, acompanhando os deveres de casa etc; a vida continuava.
Nem sempre a gente consegue ter os melhores pensamentos, manter o otimismo e a esperança. Existem os momentos de medo, de extremo cansaço, tanto físico quanto psicológico, mas isso não atrapalha o tratamento. Esses sentimentos fazem parte do processo de conscientização da "insustentável leveza do ser...", de que não há possibilidade de controle sobre as coisas, e de que há um fim ao qual todos estamos submetidos. Lembro de uma frase pichada no muro alto de uma casa, por onde eu passei todos os dias durante uma época: "Por que o medo, se o fim é a morte?"
Pois é......o que lhe parece?






sábado, 21 de março de 2009

Do jardim do éden ao tao da fisica


Caramba, dessa vez fiquei quase um mês sem escrever; será que eu dou pra isso? são tantas emoções, né Rei?
Pois é, da última vez falei sobre força, e da onde ela vem. Eu não fui criada com paparico, beijos e colo; sempre senti falta disso mas fui me virando. Não que eu não tenha sido cuidada, alimentada etc e tal...usufruí de conforto e bem estar. Também recebi educação espiritual/religiosa, passeando pelo catolicismo, pelo espiritismo kardecista e pela igreja messiânica, mas não vivi a fé que conforta; eu não sentia falta disso e seguia me virando. Aquela busca, 'da onde eu vim, pra onde eu vou' foi sendo trilhada da forma mais eclética; astrologia, búzios, tarô, i ching; sufis, templários, filosofia, freud, capra; do jardim do éden ao tao da física...
Quando os exames definiram o diagnóstico, fiquei sabendo que não era possível a cirurgia, porque eram vários nódulos espalhados pelo pulmão direito. Ou seja, restava a quimioterapia e rezar. Êpa! rezar? pedir? o que, pra quem? e lá fui eu me virar...
Primeiro eu quis saber sobre adenocarcinoma de pulmão, tratamento e prognóstico; também procurei no google uma imagem e, quando abriu na tela, perdi a respiração. Foi igualzinho o dia em que eu levei uma 'benção', bem no diafragma, da menina com quem estava jogando capoeira. Nas duas situações eu pensei: "-agora eu sei como você é". Fiz várias tentativas de voltar a olhar, até que consegui fixar a figura. Eu sentia que precisava encarar.
Preparei uma lista de perguntas pra fazer pro médico, discuti as possibilidades e as estatísticas com ele. "Às vezes dá certo, outras não, me disse ele; depende de muitos fatores". Saí do consultório com essa certeza esperançosa - tudo é relativo; sendo assim, eu tinha chance.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Não desista!

Só hoje, 20 dias depois da 1ª postagem, volto a escrever; não foi por falta do que dizer, mas, sim porque é dificil pra mim acessar as lembranças.
Resiliência é a capacidade que o sujeito tem de superar um evento traumático, seja qual for a natureza do dito cujo. Doença grave e ameaça contra a vida estão incluídos como evento traumático. Pois então, cá estou eu, resiliente que só...Antes de adoecer eu nunca tinha pensado a respeito, mas acho que ninguém pensa nisso antes que algo ocorra e exija da gente uma atitude. Resiliência tem haver com atitude. Me lembro que durante a fase de diagnóstico, fazendo os exames protocolares, dizia a mim mesmo que '-o que tiver que ser, já é (o nódulo estava lá); e o que precisar ser feito, farei! (desistir nunca!)'. Tudo isso não quer dizer que eu não senti muito medo; e chorei muito pensando no futuro do meu filho (na época com 6 anos) e do meu marido. Hoje, acho que minha atitude resiliente começou pela forma como eu enxerguei os acontecimentos. Primeiro porque não quis dramatizar a coisa...algumas pessoas falaram sobre eu não merecer estar doente. Pô, câncer não tem nada haver com merecimento. Tem relação com o estilo de vida, com o que se come, com o ar que se respira; tive câncer de pulmão e fumava desde os 20 anos. Além disso, está comprovado, o contexto afetivo e existencial do sujeito também é determinante; e, devo confessar, como canta o Seu Jorge, naqueles tempos 'eu não andava nada bem'...Outra atitude que eu adotei foi a de encarar o fato como um desafio. Parece meio doido, e foi, ter olhado a situação com uma perspectiva que fez com que eu me organizasse estratégicamente para vencer. Aquele tumor não fazia parte do meu corpo, eu pensava; o tumor era um 'penetra' na minha festa, persona non grata, e, como tal, estava sendo convidado a se retirar. Nada de luta, briga, guerra. Força, muita força, vinda de vários modos, mas isso já é outro capítulo; ou melhor, postagem.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Começando pelo inicio



Como é que se começa? como é isso de 'postar' e ter um blog? como é que se recomeça um caminho, uma vida? depois da 'freada de arrumação' que foi o câncer, aponto a vista pra frente com os retrovisores muito bem regulados e sigo; olhar pra trás, só se for pra conferir. O câncer foi de pulmão, diagnosticado em janeiro de 2005; fiz quimioterapia entre março e setembro do mesmo ano. Todos os tumores (2 deles em torno de 3cm e vários menores) regrediram até não aparecerem mais nos exames de tomografia, até hoje. Desde o diagnóstico já são 4 anos...Só posso dizer que eu escolhi viver e, por isso, digo que o câncer me fez bem.