domingo, 15 de janeiro de 2012

Pé, Mão e Pedra.

Uma amiga do volei e seu marido iam 'subir a Pedra da Gávea' com um grupo experiente, e eu achei que seria uma bela oportunidade de fazer esse passeio e de levar meu filho também. Passar pelo cancer quando ele era tão pequeno (tinha acabado de completar 6 anos) me deixou uma sequela emocional que aparece sob a forma de querer 'prepará-lo-para-viver-sem-mim'. E, para quem vive no Rio de Janeiro, fazer a subida da Pedra da Gávea é fundamental dentre as vivências de um nativo. Folclore ou não, o fato é que eu achei que era uma chance imperdível para fazermos isso juntos.  E lá fomos nós...
Precavida, conversei com algumas pessoas para pegar dicas. Em comum, todos falavam da tal Carrasqueira, trecho descrito como o 'mais difícil' da caminhada. O grupo era muito animado e simpatico, dividido logo no começo entre os jovens e os pais/mães. Os mais novos saíram em disparada na frente, abusando do vigor físico da juventude, e nós fomos caminhando mais atrás, admirando a paisagem.
Em um determinado ponto, toca meu celular - meu filho. A ligação cai e assim se repete mais duas ou três vezes. Comecei a ficar tensa e ansiosa, seguindo em frente mais rápido... quando consegui falar com ele percebi a voz assustada me perguntando onde estava, e a ligação caiu novamente. Juro, meus pés criaram asas, e eu só pensava na tal carrasqueira. Subi/escalei o tal trecho sem perceber, pensando unicamente em encontrar com ele. Ele estava bem, meio assustado com a imensidão no alto da Pedra, e se dera conta da solidão. O resto do grupo nos alcançou, fomos até o outro lado onde se pode ver o mar e tiramos fotos, lanchamos e descansamos.
O desafio estava nos esperando na volta - a descida da carrasqueira. É muito difícil descrever, pois o trecho não é íngreme nem longo, eu nem percebi quando subi apressada... mas ao descer a sensação que se tem é de um enorme vazio, lá do alto, e o vão do mundo abaixo. Dá um 'frio na barriga', parece que abre um buraco na boca do estômago.
Por um instante me ocorreu não descer, o que era um absurdo já que não poderia ficar lá pra sempre. Deu aquela vontade de desistir, de dizer daqui eu não passo. E daí? fazer o quê? Durante um tempo fiquei por ali observando quem descia, processando as informações e sensações.
Lembrei do dia em que soube do diagnóstico de câncer; lembrei do tratamento e do cansaço que sentia; lembrei das vezes em que senti vontade de desistir. Me aproximei do meu filho devagarinho e falei: "- filho, a gente precisa focar nossa atenção pra descer. Não olhe para o vão. Veja onde coloca o pé e a mão na pedra. Pense apenas em pé, mão e pedra". Já embaixo, nos abraçamos com os olhos marejados; não muito, porque adolescente acha que tudo é 'pagar mico'... Muitas vezes nos lembramos daqueles momentos, às vezes comentamos rindo, reconhecemos o medo e o alívio, depende do momento e da situação.
Vencer desafios fica menos dificil quando a gente consegue direcionar o foco para a solução e não no problema.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Circunstâncias

Mais ou menos dois meses antes de eu saber que estava com câncer, fui à uma cartomante. Não foi a primeira vez e provavelmente não será a última, de forma que eu posso dizer que sou experiente nesse tipo de coisa. Já vivi situações bem diversas, incluindo charlatães e oportunistas, mas também já vivi situações inexplicáveis. Pois bem, essa é uma destas. O ambiente era o mais comum possivel, uma casa de familia, e ela era a mãe de duas jovens. Muito simpatica e gentil, sem afetação. Sentamos frente à frente em torno de uma mesa redonda, onde foram colocadas as cartas. Nunca vi um baralho tão lindo. Ele foi feito pela mãe dela, com quem aprendeu "- a conversar com as cartas"(sic). Tendo como base um baralho comum de papelão, antigo, figuras recortadas e decalcadas representavam o significado das cartas. Quando ela me perguntou se eu ia viajar pra longe, a figura era de um transatlântico em alto mar. A beleza estava no fato dessas figuras terem sido escolhidas em revistas e impressos da década de 1930.
Lembro bem desse navio, porque foi a partir daí que eu fiquei 'com a pulga atrás da orelha'. Ela via um contratempo; algo que poderia me impedir de ir à viagem, mas que ao final eu iria... Também me perguntou se eu estava com médico marcado, e eu me lembrei de que queria cuidar daqueles vazinhos que aparecem nas pernas. A mulher me incentivou a 'não deixar pra depois'. Saí do encontro impactada emocionalmente pois estávamos planejando uma viagem à Disney com nosso filho, mas não deixei que aquilo me atormentasse.
Mais ou menos dois ou tres dias antes da viagem, comecei a sentir dor na região próxima à costela direita, na frente. Pensei que tinha machucado jogando volei e fui fazer uma radiografia, incentivada por meu irmão que achou melhor para eu não ter problemas durante a viagem.
Na véspera da viagem a radiografia mostrou que não havia nada de errado com a costela. Porém, o médico da emergência insistiu que eu fizesse uma tomografia, já - naquele momento - para pesquisar um possivel nódulo no pulmão.
Lembrei daquela doce mulher, a cartomante, me recomendando não deixar pra depois, e fiz o exame que constatou o tumor... Ainda assim fui viajar, pensando que poderia não ter outra oportunidade de ir à Disney com meu filho. Pensei: mais 15 dias, menos 15 dias... Não foi uma viagem muito boa, com diversão à beça e alegria. Meu marido era só estresse, mas eu estava lá e não ia desperdiçar aqueles momentos.
Na volta, depois de uma sequencia de exames, foi diagnosticado o câncer. Muitas vezes durante o tratamento recordei aquela ida à cartomante, tentando lembrar se ela havia dado alguma pista do desfecho, se eu poderia ter esperança, mas não conseguia. Passada a fase de tratamento, procurei a mulher das cartas e não a encontrei. Quem me dera seu telefone disse que ela havia se mudado de cidade.
Hoje, depois de 7 anos, passei pela porta do prédio onde aconteceu a consulta. Automaticamente as lembranças surgiram: minha chegada lá, o encantamento com o baralho, o navio em alto mar. Um flash espocou na minha mente e eu vi e ouvi uma última cena do encontro: Ela me mostrava uma carta com a figura de uma linda rosa desabrochando, onde eu quase podia ver as pétalas se movendo... e dizia: "Lembre-se dessa flor".

segunda-feira, 4 de julho de 2011

E La Vita Va

     E la vita va é só uma brincadeira/referência ao título do filme do Fellini, 'E la Nave Va'.
     Não pela historia em si, mas porque eu gosto da sonoridade da frase e porque ela me remete à ideia de continuidade - algo que segue. Lá no meu perfil eu digo que meu lema é keep moving foward... Pois então, hoje venho aqui para dizer que eu sigo.
     E não foi à toa que eu descrevi no subtítulo desse blog, 'sobre resiliência e a capacidade de se reinventar'. Porque resiliencia também me provoca a sensação de continuidade, porque fala sobre essa possibilidade de retorno ao 'estado anterior' sem que haja ruptura.
     Eu me lembro que naquele momento, quando montava o blog, me sentia tão pequenininha diante do Destino que a minha maior pretenção era apenas seguir. E agora, ainda mais agora, quero apenas poder continuar seguindo.
     Me ajuda aí poeta - "... dias sim, dias não, eu vou sobrevivendo sem um arranhão...". O tempo não pára.
     Quer saber? Fui.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Medalha no Peito

Meu marido sempre diz que vai 'pôr-a-medalha-no-peito' quando tem alguma tarefa chata que precisa fazer. Acho que é hábito de atleta que está sempre se superando pra chegar lá no pódio e ser premiado pelo esforço. A frase evoca sentimento de vitória, por merecimento, no mínimo por ter concluído a prova.
E, vejam só, ganhei eu uma medalha pra pôr no peito, ou melhor, um selo. Quem me mandou foi a Ju Careli, que passou por aqui, leu, e gostou.
Começar a escrever o blog foi muito importante pra mim. Junto com a escrita eu estava treinando para os primeiros passos de um caminho que não tinha mais volta. "- Nada será como antes, amanhã...". Escrever sobre resiliência e sobre reinventar a mim mesma foi a forma que encontrei de estravasar as interrogações que tinha sobre o futuro, principalmente sobre como as marcas do que tinha vivido iriam se manifestar em mim, nas minhas relações, na minha visão da vida...
E se eu queria fazer com que as coisas fossem melhores dali pra frente, eu precisava começar a trabalhar pra isso.
Muito bom receber feedback tão positivo como este selo, de alguém que achou esse meu blog no meio da Web, leu e gostou.
Obrigada Ju. Você me proporcionou o sentimento de 'pôr-a-medalha-no  peito'.
Bem, recebido o selo, devo repassá-lo conforme as regras, que são:

- Ao receber o selo deve repassar para 15 outros blogs (gente, sinto muito, mas não conheço tantos blogs assim. Ju, vc já recebeu 2, né?)
- Indicar sua postagem para esclarecimentos
- Comunicar aos 15 escolhidos com um comentário em seus blogs
- E incluir em seu post 7 coisas sobre você
Vamos lá, 7 coisas sobre mim:
1) Sou carioca, taurina, adoro praia e mergulhar no mar;
2) Estou casada e temos um filho com 12 anos - fui mãe depois dos 40;
3)Aproveitei bastante minha juventude, viajei, namorei e tenho muitos motivos e lembranças pra gostar de viver;
4) Desapeguei  das mágoas, das decepções e arejei meus pulmões;
5) Fiz novos amigos e ainda conservei alguns dos antigos;
6) Amo minhas famílias;
7) Eu nunca me lamento.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Andar com fé eu vou

"Como podia o mundo voltar a ser o que era depois de tudo isso? Mas, no fim, é só uma coisa passageira, até tudo passar. Um novo dia virá. E, quando o sol brilhar, brilhará ainda mais forte. Eram essas as histórias que ficavam nas lembranças, que significavam algo. Mesmo que você fosse pequeno demais para entender o por quê. Mas acho, que entendo, sim. Agora eu sei. As pessoas dessas histórias tinham várias oportunidades de voltar atrás mas não voltavam. Elas seguiam em frente, porque tinham no que se agarrar." Senhor dos Anéis

Eu fiquei muito tempo sem escrever com minhas próprias palavras e ainda precisei de uma ajudinha pra recomeçar. Há tempos estava ensaiando essa volta, treinando com posts imaginários quando estava debaixo do chuveiro morno. Pena que a maioria das vezes já era o fim do dia, e eu me rendia ao cansaço e deixava 'pra amanhã'.
E cansaço não faltou. Como diziam antigamente, esse ano que passou foi 'de lascar'. A maior parte do tempo me senti numa montanha russa daquelas bem radicais, torcendo pra aguentar até o fim sem dar vexame. Dias bons e ruins se revezando, conquista e frustração, surpresa e decepção num ritmo de tirar o fôlego - ainda bem que acabou.
Minha amiga disse que 2011 é o Ano do Coelho: "Um ano calmo, muito bem vindo e muito necessitado após o ano feroz do tigre. Nós devemos apagar alguns pontos, curar as nossas feridas e começar com algum descanso após todas as batalhas do ano precedente".
Eu espero escrever bem mais ao longo do próximo ano...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Quando a boca cala o corpo fala

Com meu agradecimento à querida Lita.

POEMAS PRESOS
A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas,
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado.
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema. Mas não.
Pessoas às vezes adoecem da razão
De gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima
Lágrima é dor derretida.
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida.
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor.
Tempo derretido é poema
Você pode arrancar poemas com pinças,
Buchas vegetais, óleos medicinais.
Com as pontas dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poemas com banhos
De imersão, com o pente, com uma agulha.
Com pomada basilicão.
Alicate de cutículas.
Com massagens e hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca.
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas,
Endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los,
Das dobras dos dedos dos pés, das vértebras.
Dos punhos, das axilas, do quadril.
São os poema cóccix, os poemas virilha.
Os poema olho, os poema peito.
Os poema sexo, os poema cílio.
Atualmente ando gostando de pensamento chão.
Pensamento chão é poema que nasce do pé.
É poema de pé no chão.
Poema de pé no chão é poema de gente normal,
Gente simples,
Gente de espírito santo.
Eu venho do espírito santo
Eu sou do espírito santo
Trago a Vitória do espírito santo
Santo é um espírito capaz de operar milagres
Sobre si mesmo.”

Viviane Mosé

Para quem quiser ouvir:
http://www.youtube.com/watch?v=4CrEFX4Bjns

terça-feira, 20 de julho de 2010

Incentivo é bom


Ainda pela escrita dos outros.

"A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você."

Recebi pelo email neste Dia do Amigo. Incentivo é bom e eu gosto.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A mais perfeita tradução


TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra delira.
Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem: outra parte linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte – que é questão de vida e morte – será arte?

domingo, 20 de junho de 2010

Evolução de espécie

"Na história da humanidade (e dos animais também) aqueles que aprenderam a colaborar e improvisar foram os que prevaleceram".
Charles Darwin