terça-feira, 31 de agosto de 2010

Quando a boca cala o corpo fala

Com meu agradecimento à querida Lita.

POEMAS PRESOS
A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas,
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado.
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema. Mas não.
Pessoas às vezes adoecem da razão
De gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima
Lágrima é dor derretida.
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida.
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor.
Tempo derretido é poema
Você pode arrancar poemas com pinças,
Buchas vegetais, óleos medicinais.
Com as pontas dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poemas com banhos
De imersão, com o pente, com uma agulha.
Com pomada basilicão.
Alicate de cutículas.
Com massagens e hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca.
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas,
Endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los,
Das dobras dos dedos dos pés, das vértebras.
Dos punhos, das axilas, do quadril.
São os poema cóccix, os poemas virilha.
Os poema olho, os poema peito.
Os poema sexo, os poema cílio.
Atualmente ando gostando de pensamento chão.
Pensamento chão é poema que nasce do pé.
É poema de pé no chão.
Poema de pé no chão é poema de gente normal,
Gente simples,
Gente de espírito santo.
Eu venho do espírito santo
Eu sou do espírito santo
Trago a Vitória do espírito santo
Santo é um espírito capaz de operar milagres
Sobre si mesmo.”

Viviane Mosé

Para quem quiser ouvir:
http://www.youtube.com/watch?v=4CrEFX4Bjns

terça-feira, 20 de julho de 2010

Incentivo é bom


Ainda pela escrita dos outros.

"A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você."

Recebi pelo email neste Dia do Amigo. Incentivo é bom e eu gosto.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A mais perfeita tradução


TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra delira.
Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem: outra parte linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte – que é questão de vida e morte – será arte?

domingo, 20 de junho de 2010

Evolução de espécie

"Na história da humanidade (e dos animais também) aqueles que aprenderam a colaborar e improvisar foram os que prevaleceram".
Charles Darwin

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Câncer me Fez Bem - Réveillon.


Hoje é o último dia do ano e eu ainda não retribuí os votos de feliz Natal e boas festas que recebi.
Desde que eu me rebelei contra o determinismo que o câncer carrega, me tornei crítica dos modos e costumes sociais, refletindo sobre como determinadas convenções (tratos/códigos) se tornam paradigmas. Eu me pergunto: e se ficasse combinado que o câncer é uma doença grave porém tratável? quantas pessoas teriam sobrevivido, se pensassem que a cura é possível?
Aí eu não consigo responder os votos de boas festas porque não quero me comportar como manada; não quero fazer parte da comercialização do Natal e nem quero a repetição mecânica de mensagens otimistas, entre pessoas que mal se olham o resto do ano.
Por outro lado, tantas pessoas queridas compartilharam comigo o cotidiano - queria mandar uma mensagem, uma palavra, que representasse meus sinceros sentimentos nessa época do ano que traz, quase impõe, simbolismo de confraternização e renovação.
Fiat Lux!
Minha amiga antiga, do tempo da USU, me mandou as lindas palavras que transcrevo abaixo. Muito obrigada Suzana! Você me salvou...

O TEMPO EM FATIAS
" Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente. Para você, desejo o sonho realizado. O amor esperado. A esperança renovada. Para você, desejo todas as cores desta vida. Todas as alegrias que puder sorrir, todas as músicas que puder emocionar. Para você neste novo ano, desejo que os amigos sejam mais cúmplices, que sua família esteja mais unida, que sua vida seja mais bem vivida. Gostaria de lhe desejar tantas coisas. Mas nada seria suficiente para repassar o que realmente desejo a você. Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos. Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto, rumo à sua felicidade! " *Carlos Drumonnd de Andrade*
Feliz 2010!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Cancer me Fez Bem 2009


Não tem jeito. Essa época do ano sempre empurra a gente pra fazer balanço; das contas, das dividas e lucros, e da vida. Então v'ambora!
Mês que vem, janeiro, completam-se 5 anos que eu fui diagnosticada com câncer de plumão. E isso é uma marca.
Antes eu pensava que devia considerar o tempo a partir do fim do tratamento, quando comecei a fazer o controle, mas não. Desde o diagnóstico, se a doença não evoluiu, e no meu caso ela regrediu até sumir, o cronômetro foi disparado. 5 anos sem câncer - u hu! E porque o cancer me fez bem?
Porque eu tive a oportunidade de ter um encontro comigo mesma, e porque eu pude pensar sobre que tipo de vida eu quero ter. Eu me desfiz de um monte de tralha velha e inutil, e de algumas tristes recordações. Eu abri as janelas, tirei o pó e deixei o sol entrar. Não há remedio melhor pra câncer de pulmão, do que ar fresco.
E se eu precisei abrir mão de umas coisas, também resgatei outras que tinham estado esquecidas pelos cantos, e reorganizei meu acervo - as leituras, as praticas, as estórias da vida alheia e da minha também.
Tudo que eu acumulei de experiência pela vida afora, eu pus pra funcionar em busca da cura, e renovei minha escolha pela vida. Escolha pela vida - esse é o segredo.
O câncer foi um marco em todos os sentidos, e muita coisa aconteceu desde então. Eu adquiri a noção do perigo, sinto medo, mas me tornei mais destemida e sei o que é força; sei que tenho pessoas com quem contar, mas meu caminho é feito conforme é percorrido por mim; sofrer me ensinou sobre o outro; e os outros têm ensinado sobre mim .
(continua...).






quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Alquimia


O exame ficou pronto e está tudo ok.
Eu estou muito orgulhosa de mim mesma porque tenho a sensação de que estou fazendo as coisas do jeito certo.
Quando ouvi o diagnóstico de câncer no pulmão, na mesma hora me lembrei sobre a relação que a medicina chinesa faz entre partes do corpo e sentimentos. Não que eu conheça o assunto a fundo, mas sei que pulmão tem a ver com tristeza e melancolia, fígado tem a ver com raiva etc.
É uma tarefa bem complicada manter a alegria e o bom humor, principalmente pra gente que não tem vocação pra ser hiena. Parênteses: a hiena, coitada, entrou na história por causa daquela piada, onde no final o sujeito pergunta "- e ela ri de quê?". Pois é, mas eu vou levando.
Aprendi que sentir tristeza não é exatamente o problema; sou humana, me decepciono. Problema é deixar isso se alojar, fixar residência, já querendo virar latifundiário desse corpinho que não o pertence.
É uma questão de dose, a diferença entre veneno e remédio, e alquimia é uma arte.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Tum Tum - Bate Coração!


Quanto tempo!
Ontem fiz o raio-x do pulmão pra controle pós quimio. Eu já contei aqui que, como tudo vai indo bem comigo, eu posso alternar raio-x e tomografia. O médico que acompanha o exame na hora, tipo um plantonista, geralmente não gosta de dizer nada sobre a imagem antes do laudo definitivo. Eu entendo mas, tenho direitos como paciente e, peço com jeitinho, pra me adiantar se tem alguma alteração em relação ao exame anterior.
Ontem o médico que estava lá disse que está tudo igual. Ufa! Dá um alívio danado, baixa bastante a ansiedade, mas eu só acredito mesmo quando pego o resultado 'oficial'.
Alguém pode perguntar porquê eu peço pra saber antes... são contradições humanas, ou minhas, sei lá. Acho que tenho um estilo São Tomé. O laudo e a imagem ficam prontos na próxima terça-feira, quando vou comemorar.
Sempre comemoramos aqui em casa, e com comida japonesa que eu adoro. Durante o tratamento não podia comer coisas cruas, para evitar qualquer contratempo tipo intoxicação alimentar.
Comida japonesa então virou símbolo de liberação, de comemoração.
É assim que tem sido.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Solve et Coagula


Separe e Una.
Isso me faz lembrar a infância, quando passava férias com meus avós maternos no interior do Paraná. A vovó Laila era daquelas 'alimentadoras' de pessoas, reunindo filhos, genros e noras, netos e agregados em torno da mesa. A cozinha da casa dela era bem ampla, com um imponente fogão a lenha que tinha uma grande chapa e adornos cromados. Eu gostava de ficar por ali vendo a movimentação dela com a empregada, ouvindo as conversas, e beliscando umas aparas de carne que ela sempre tinha sobre a chapa quente. Eu catava o feijão ou o arroz - pra quem não sabe, catar é separar o grão cru bom de outros meio estragadinhos, durinhos tipo pedra - e depois ficava fazendo formas com os grãos bons reunidos, figura/fundo com a toalha da mesa.
Separe e una.
O momento é de balanço; o mês de julho é significativo pra mim porque é quando se completa 12 meses no tempo pós quimio - dessa vez vou comemorar 4 anos sem sinal do câncer. Ainda não fiz o raio-x mas o prognóstico é bom e, daqui pra frente, vai diminuindo cada vez mais a probabilidade de recidiva. Como ninguém é perfeito, vivo a expectativa, que só se dissipa depois que faço o exame e o laudo me alforria...até a próxima vez. Alcancei o intervalo de 6 meses entre as consultas de controle - já foram a cada 2 meses - e, dizem, pode-se chegar a até 1 ano de intervalo.
É importante deixar o tempo agir e aprender que a graça está em fazer o caminho, e não em chegar ao destino; é importante não cair na armadilha de querer controlar a vida, cuja principal propriedade é a fluidez.
Solve et coagula.
Eu me sinto bem.


terça-feira, 30 de junho de 2009

The King

E eu continuei nos 80's, como homenagem silenciosa e particular ao King of Pop.
Sou fã do Michael Jackson desde que ele tinha 5 anos, e eu um ano a mais. Fiz essa viagem no tempo, pra época das festinhas, quando treinava os passos dele. Na hora H não saía nada, mas era divertido demais. E o som? e o 'soul'? Fiquei muito tempo vendo clipes e ouvindo as músicas e curtindo.
Além das doces recordações da juventude, porém, fui 'tocada' pelo mosaico de imagens que representavam a (quase) incrível transformação física, me fazendo perguntar que imagem ele perseguia? e, quem eu penso que sou? quais são as minhas transformações?
Como se já não tivesse perguntas o suficiente, também quis saber se ia continuar a escrever o blog, porque não quero manter minha identidade vinculada ao câncer. E eu senti compaixão pelo Michael, pelo desassossego que ele deve ter vivido, confundindo imagem com identidade.
Durante essa crise fiz dois rascunhos que não publiquei, mas eu gosto de escrever.

Olha o swing de 'Don't Stop 'Til You Get Enough '

Aqui, a estrela do showbizz

sexta-feira, 19 de junho de 2009

80's



Quando eu me formei em Psicologia, em 1982, fui me direcionando para a Clínica, seguindo um roteiro mais ou menos básico de recém formada; horário sublocado em consultorio, era paciente de psicanálise, fazia grupo de estudo - tudo sob a regência de herr doctor Freud. Eu simpatizava muito com os colegas que foram se encaminhando pro lado de outras práticas, principalmente das terapias corporais, mas achava que era meio oba-oba, sei lá... eu achava que o pessoal era meio hippie e eu queria 'fazer psicanálise' na Saúde Mental. O que eu estava querendo, mesmo, era pertencer ao clubinho dos conhecedores da alma humana.
No finalzinho do tratamento de quimioterapia, já exausta fisicamente, eu só pensava em como seria retomar minha vida dali pra frente - refazer a clientela, reencontrar pessoas, "cair dentro", como se diz. Eu tive medo. Me sentia vulnerável, frágil; eu tinha sido atingida. Me dei umas semanas de descanso, sem decidir nada, até que fiz o primeiro exame de controle pós-quimio. Tudo ok. Foi dando uma coragem, aos poucos, e fui em frente. E então, começou a angustia de não saber se ia dar conta do recado, corresponder a confiança de colegas, transitar pela cidade, estar fora de casa quando caía a noite. O sentimento de vulnerabilidade apareceu através do corpo, com taquicardia e vontade de fugir.
Uma coisa que eu descobri com o câncer, é que eu sou do tipo que procura logo a solução. Fiz umas tentativas com terapia verbal, mas não me acertei com ninguém; voltei a praticar capoeira pra me sentir mais forte e me matriculei num curso como atualização profissional.
É interessante como a solução às vezes está tão perto de nós.
Na vila onde é meu consultório conheci uma pessoa que faz preparação de atores. Conversa vai conversa vem, um dia depois do outro, eu falei com ela da dificuldade de estar em público, quase um constrangimento; não era como timidez ou fobia, eu estava me sentindo muito à flor da pele para me expor. Talvez se eu treinasse umas técnicas teatrais... Ela franziu o cenho e disse, parecendo displicente, "- venha experimentar o grupo".
Fui e estou até agora, fazem três meses. O grupo não tem nada, e ao mesmo tempo tem tudo, a ver com técnicas de interpretação. O trabalho é de conscientização corporal, que vai sendo adquirida através de movimentos, propostos por ela, ao mesmo tempo em que lidamos com limites e possibilidades individuais. Onde dói? onde está encolhido? usa o olho! solta a boca! faz devagar, não força, vai... Aprendi sobre expressão facial, sobre os gestos e a postura corporal. A pessoa vai tomando consciencia de como anda, como pisa, onde estão os ombros, o queixo... e também vai tomando consciência de si, do que está expressando e do que quer pra si. Eu me desconstruí para eliminar um tumor, e tem sido bem apropriado que eu esteja reconstruindo, na prática, esse corpo.
Dia desses, explicando um movimento, ela disse "- (...) por isso a Théresè escreveu "O Corpo tem suas Razões"... e eu entendi porque estava ali (lembra que esse foi o livro que me caiu nas mãos, falando sobre as emoções e o corpo?).
Eu sempre simpatizei com o pessoal das terapias corporais e foi legal dar uma passada lá nos 80's.

Está bom recomeçar, tô me sentindo bem mais forte...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Corpo tem suas Razões


No final dos anos 70, passando pros 80, eu era estudante de psicologia, trabalhava com crianças e adolescentes autistas e psicoticos, e tinha começado minha terapia pessoal - condição sine qua non para quem quer trabalhar com loucura(s). Me caiu nas mãos o livro "O Corpo tem suas Razões", onde a autora, Thérèse Bertherat, escreve sobre como o corpo registra as emoções. Cito um trecho: "Nosso corpo somos nós. Somos o que parecemos ser. Nosso modo de parecer é nosso modo de ser. (...) Nosso corpo somos nós. É nossa única realidade perceptível. Não se opõe à nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por isso tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro... pois corpo e espírito, psíquico e físico, e até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade."Eu fiquei bem impressionada com o texto, um contraponto para a dominante psicanalise da qual eu era aprendiz. Foi bom eu ter agregado essa compreensão ao meu repertório e ter mantido essa dimensão do não verbal me acompanhando a vida.
Foi a partir disto que eu busquei o significado de estar com câncer, o tal recado que eu mencionei no post anterior. Foi um trabalho solitário; não são muitas as pessoas que concordam que um sentimento pode provocar o adoecimento do corpo, e, além disso, a maioria prefere achar que não fez nada contra si mesmo...
Por causa dessa ideia, de que 'o corpo de um ser e sua vida são uma mesma coisa', minha principal preocupação tem sido ter a melhor vida possível, cultivando qualidade nas relações e nos afazeres cotidianos. Quero fazer uma vida cada vez melhor porque tenho certeza que assim vou preservar minha saúde.

Da proxima vez, vou escrever sobre como eu conheci uma profissional que trabalha por esta vertente, e sobre como eu tenho feito disto a minha terapia.
PS - O livro "A Cura Quântica", do Deepak Chopra, também toca nesse assunto - o que nossos sentimentos fazem com o corpo. A ilustração aí ao lado é um slide que corre na web, com texto dele, e chama-se Mutantes. Tem no Google.

Alguém como recheio


Ninguém fica sabendo que está com câncer de uma hora pra outra. Há o processo de diagnóstico, com vários exames que vão evoluindo em complexidade e busca da exatidão; de forma que eu, mais ou menos, fui me preparando para o desfecho.
Eu sabia que meu corpo estava me mandando um sinal de alerta, e sabia que não era a respeito do corpo físico propriamente dito, embora fosse através dele que o recado tinha chegado.
Eu não acredito que corpo/mente/espírito são separados; ao contrário, acredito que funcionam como um todo integrado e interdependente. Alguém consegue imaginar uma mente vagando por aí, errante, sem um corpo que a contenha ou que esteja contido nela? E olha que eu nem quero falar de religião ou crenças, só filosofar... Por exemplo: eu tenho tantas interrogações sobre o que aconteceu comigo que às vezes a cabeça parece que fica pequena pra tanto pensamento; ou, no peito tenho a sensação de roupa apertada, parecendo que eu ‘tô presa dentro de mim mesma.
Mente, corpo, eu - dá pra ser separado? onde começa um e acaba o outro?
Tive certeza que para o tratamento com quimioterapia ter mais chances de sucesso eu ia precisar cuidar da mente e do espírito também e, logo compreendi, isso me levaria a uma longa jornada, Virginia adentro.
Minha hipótese foi: considerando que a matéria é concentração de energia, e, considerando que a matéria era o tumor, se eu conseguisse diluir “A Energia”, a matéria deixaria de existir. Atenção a um pequeno, porém importante detalhe – tumor, energia e eu, é a mesma coisa. E a pergunta que não calava era, por que eu me consumia? Não esperei pela resposta. Dia após dia, criteriosamente, usei a meditação pra acessar os escaninhos emocionais e fui desapegando de tudo que eu considerei destrutivo. Desapontamento, mágoa, pirraça, dogma, um monte de lixo. Deu certo.
O Arnaldo Antunes (da banda Titãs) fez um livro de poemas, e um deles diz assim:
"O corpo existe e pode ser pego. É suficientemente opaco para que se possa vê-lo. Se ficar olhando anos voce pode ver crescer o cabelo. O corpo existe porque foi feito. Por isso tem um buraco no meio. O corpo existe, dado que exala cheiro. E em cada extremidade existe um dedo. O corpo se cortado espirra um líquido vermelho. O corpo tem alguém como recheio."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Vlw N1


Eu fiquei um tempão sem escrever nada. Queria fazer umas mudanças na configuração e acabei perdendo o acesso ao blog... Felizmente existe o 'forum de ajuda' do Blogger, onde eu consegui ajuda e pude recuperar o acesso. Vlw N1!
Quando eu tinha uns 11/12 anos li um livro da época, 'pra meninas', que se chamava Pollyana. Não sei se eu lembro direito, mas acho que a personagem era órfã, estava indo morar com uma tia rabugenta, que ela nunca tinha visto antes etc. O que eu lembro com certeza, é que a menina fazia o "Jogo do Contente"; o tal jogo era uma atitude frente à vida, onde ela procurava sempre o lado bom dos acontecimentos. E todos em volta admiravam a menina e ela até conseguiu o amor da tal tia. Lindo, né?
Pois então, o lado bom foi perceber que o meu empenho pra recuperar o blog e a falta que eu senti de vir aqui, desabafar, são o reflexo de que está me fazendo muito bem poder escrever e, ao fazê-lo, refletir sobre meu cotidiano.
Meu trabalho me ensinou que a gente deve prestar atenção ao nosso fazer cotidiano, pessoal ou profissionalmente. Reflexão sobre a prática, esse é o nome. Mas isso já é outra conversa.

Enquanto isso siga o link.




quinta-feira, 28 de maio de 2009

Segredos e mentiras


Por causa de uma ida ao cabeleireiro eu me lembrei do dia em que eu comecei a perder os cabelos, por causa da quimio. O medico tinha dito que isso poderia ou não acontecer, porque as fórmulas não são todas iguais, e nem a reação de cada paciente. O tratamento estava bem no começo e eu ainda aguentava fazer minha caminhada habitual, bem cedinho, pela praia. Quando voltei, entrei no banho pra depois tomar o café. Lembro que eu estava satisfeita por conseguir manter a rotina de exercícios (me sentindo saudável!), ouvindo música no rádio, como tinha o costume de fazer a não sei quantos anos. Percebi que o box estava cheio, como uma piscininha; olhei o ralo e encontrei um bololô de cabelos entupindo o escoamento. Instintivamente coloquei as mãos na cabeça, como se eu pudesse evitar a queda; cheguei pro lado, fora do chuveiro e fiquei parada olhando o ralo... não sei quanto tempo se passou; sentei no chão do box e chorei embaixo d'água até cansar...
Eu não chorei por causa dos cabelos ou por causa da aparência. Eu chorei porque naquele momento eu tive o primeiro efeito adverso do tratamento e a constatação de que aquilo estava mesmo acontecendo. Não há nada mais representativo de alguém com cancer, do que a falta de cabelos.
E foi nesse mesmo dia que eu conversei com meu filho, na época com 6 anos. Mostrei o ralo cheio, falei que estava doente e que o remédio fazia o cabelo cair, que talvez eu ficasse totalmente careca. Falei que estava lhe contando porque tinha sido um susto tão grande pra mim, que queria que ele estivesse avisado; eu não sabia como ou quando ia ser (ficar careca) - talvez no próximo banho ou quando acordasse no dia seguinte.
A maioria das pessoas estranhou que eu falasse com ele tão abertamente; estava claro pra mim que o principal objetivo era não esconder ou mentir, mas também queria dar a ele a oportunidade de lidar com seus sentimentos e com a adversidade que a vida traz a todos nós. Eu não sabia se ia morrer ou sobreviver... como poderia olhar em seus olhos e não expressar nada? Como poderia subestimá-lo, achá-lo incapaz de participar dos acontecimentos? As informações eram filtradas, passadas de acordo com sua curiosidade e maturidade. Pedi a uma graaaande amiga, a melhor terapeuta infantil que eu conheço, que o acompanhasse profissionalmente. Sei que ela é parte importantíssima nesse processo com ele.
Hoje fico feliz e não me arrependo de ter agido assim. Aos 10 anos, ele tem noção da gravidade do cancer e, às vezes, ainda faz perguntas, mas o principal foi termos estabelecido, para sempre, um canal de comunicação franco - sem segredos e mentiras.
Estes fatos fizeram parte da construção da identidade dele, como alguém que pode compartilhar bons e maus momentos; que participou, a partir da sua possibilidade, da rede de sustenção de alguém.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Siga!


Este video fala por si só e representa muito bem a determinação necessária frente ao cancer e ao tratamento.
Meu sentimento está nele.

http://www.youtube.com/watch?v=xk-xI_nY2Co

terça-feira, 26 de maio de 2009

O outro lado da moeda



Um dia, me avisaram que os portadores de cancer tinham a 'vantagem' de isenção de impostos e outros 'benefícios'. Como assim 'vantagem'? É possível se obter 'benefício' por estar doente? É de dar arrepios. As tais vantagens são pequenas compensações financeiras que o cidadão portador de mal crônico, incapacitante, adquire frente a moléstia.
Eu implico com a maneira como as palavras são usadas porque acredito que a realidade é construída por nós, a partir do enfoque que é dado aos acontecimentos. Acreditar que o cancer traz beneficios pode ser bastante arriscado quando o objetivo é se livrar dele.
Isso me faz pensar na representação que o cancer (e estar doente) tem para cada paciente, e sobre como ele se comporta a partir disso. Recomendo com veemência ter ajuda de um terapeuta, alguém que esteja qualificado a ouvir os sentimentos tão intensos que inundam o peito. É importante poder falar sobre o medo, sobre a morte, sobre rejeição ou exclusão (às vezes se confundem) sobre os planos, sobre a vida que ainda tem pela frente, não importa quanto tempo dure. Falar sem pudor, poder refletir sobre sua condição, externar preocupações, ter suas apreensões acolhidas.
Os familiares não são as pessoas mais indicadas porque eles também estão com medo, não sabem como agir ou o que dizer; repetem discursos de otimismo e sobre a necessidade de ter fé; eles também precisam de ajuda. E não adianta falar em dinheiro, porque existem muitos serviços acessíveis, inclusive gratuitos, destinados a isso.
Infelizmente ainda existe a ideia de que o cancer é uma espécie de castigo divino, uma provação que deve ser amargada solitariamente.
É uma pena! As pessoas gostam de ajudar se souberem como e se puderem fazer isso de acordo com sua possibilidade. São tantas tarefas, divida com seus próximos. Fazer supermercado, ir ao banco, preparar uma refeição, varrer a casa. Peça o que precisa, pense sobre o que cada um pode oferecer de melhor, seja grato por haver tratamento, faça voce mesmo o melhor que puder.
Existem alegrias apesar do tratamento: estar entre queridos; ir no almoço de Dia das Mães e, mesmo recostada no sofá, participar das conversas e dar umas risadas em familia; crianças correndo pela casa.
Minha amiga da vida toda me levou pra passear e tomar um café; fizemos um inventario da vida - foram muitos banhos de cachoeira nas Paineiras.
O medico cuida dos remedios e da doença. Voce cuida de si e da saude. Faça sua escolha e se responsabilize por isso.

domingo, 24 de maio de 2009

Humanos, demasiado humanos.


Eu acabei ficando ocupada com o que escrevi no último post; sobre como as pessoas reagem, e interagem, quando ficam sabendo sobre alguém que está com cancer; sobre como o estigma da morte sentencia o portador. Não, eu não quero apontar o dedo pra ninguém quando escrevi sobre sair do próprio umbigo. Eu sei... somos humanos, demasiado humanos.
É que a gente vem construindo ao longo dos séculos um tipo de sociedade que fragiliza e desqualifica o sujeito, que está desconectado de si mesmo, suspenso por um fio que ele não sabe de onde vem. O Joel Birman (psicanalista, prof da UERJ) fala da 'cultura do espetáculo', onde precisamos sempre estar bonitos, alegres, produzindo e consumindo. Ninguém quer baixo astral; "- de problema, já chegam os meus", dizem por aí. Desconectado de si mesmo, desconectado do outro.
O estigma que o cancer carrega evoca a finitude do portador, mas, e aí está a questão, também a inexorável finitude de todos nós. Ninguém sabe como começa o cancer, o que faz com que qualquer um seja passível de ser acometido... duro, né? é muito melhor ficar à distância pra não ter que pensar nisso.
Desde o diagnostico eu decidi que não ia me esconder; nunca usei peruca ou fiz segredo. Em algumas situações omiti a noticia pra não ter que lidar com expressões (verbais e não verbais) de comiseração. Como eu já disse antes, já é muito ruim estar com a saúde abalada. Não foram poucas as vezes que eu 'dei força' pra alguém, afirmando que eu ia ficar boa, para consolar.
Então, meu depoimento é: se alguém próximo de vc estiver se tratando de um cancer, e se vc 'aguenta' se aproximar, não fale muito; procure a compaixão que está dentro de vc e abrace (cancer não é contagioso); ouça o que ele tem a dizer; não conte casos conhecidos, mesmo aqueles que deram certo - vai lembrar dos que não deram certo; reafirme seu apoio com atitudes; apareça para alguns minutos de compainha - o cansaço não permite longas conversas; leve uma qualquer coisa que a pessoa ache gostosa etc etc etc. O tratamento é longo, portanto, se vc realmente quer participar, prepare-se. Doses homeopáticas de carinho contribuem mais do que aparecer no domingo, ficar hoooras, e não voltar mais .
Apenas esteja junto... o resto o tratamento faz.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Só o amor constrói...


O enfrentamento do cancer é uma tarefa bem árdua e que não se limita ao tratamento prescrito, seja ele qual for. A partir do diagnóstico, o paciente, antes mesmo de iniciar o tratamento, já é obrigado a lidar com o estigma que estabelece que o mal é quase um sinônimo de morte. Mesmo eu, que me recusei a entrar nessa ideia, precisei lidar com o que as outras pessoas pensavam a respeito. E já conversei com outras pessoas conhecidas, inclusive pacientes meus, que tem a mesma vivencia. Esse recado chega das maneiras mais sutis. Tem gente que simplesmente some; tem gente que telefona pra alguém próximo de vc e diz que não vai visitá-lo porque não 'aguenta'; tem gente que vai pro outro extremo e se 'sacrifica' pelo paciente.
Por favor! será que dá pra sair do próprio umbigo e tentar perceber o outro e do que ele precisa?
O principal e comum efeito da quimioterapia é o extremo cansaço e a sensação de desfalecimento eminente, só que nos mantemos despertos, por que o tal cansaço (chamado astenia) não gera sono. Despertos mas incapazes de fazer qualquer coisa que dependa de atenção, como ler um livro ou assistir televisão; no máximo ouvir música. Essa sensação de desfalecimento tem efeito psicológico desgastante e desmotivador. Talvez seja por isso que alguns pacientes simplesmente desistem...
Adoecer, da forma como o cancer faz, remete o sujeito à fase em que era bebê, dependente e vulnerável. Se não há apoio e segurança, o sentimento é de desproteção e desesperança. Eu, por exemplo, sentia necessidade CORPORAL de ser colocada no colo, pra ser aninhada, protegida, cuidada.
Sou privilegiada por ter recebido isso, nos braços do meu marido, todas as noites, até hoje.